quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Alimentar os neurónios

O cérebro tem de ser muito bem alimentado para que o desenvolvimento cognitivo se dê dentro dos parâmetros normais. Conheça uma nova área da nutrição a não menosprezar.


Os benefícios de uma dieta equilibrada, variada e saudável não se fazem sentir apenas no desenvolvimento físico. Também existe uma forte relação entre a alimentação e o desenvolvimento cognitivo. Trata-se de mais uma área da nutrição, recentemente abordada no simpósio intitulado «Sabia que o cérebro também come?», realizado no Hospital de Dona Estefânia.

A Dr।ª Nathalie-van-der Put, especialista na área do desenvolvimento cerebral e na sua relação com a nutrição, deslocou-se a Portugal para proferir a apresentação subordinada ao tema «A impor­tância do DHA, ALA e as vitaminas do complexo B para o funcionamento do cérebro».


O processo de maturação cerebral é bastante complexo, sendo mais evidente nos primeiros 2 anos de vida.

«A capacidade de aprendizagem, a compreensão, a memória, a atenção e a criatividade integram o desenvolvimento cognitivo, que é influenciado por vários factores», referiu Nathalie-van-der Put, acrescentando que «a vivência com os pais, a estimulação social, a genética, a educação e a nutrição são os principais factores envolvidos no desenvolvimento cognitivo».

No que diz respeito à nutrição, é preciso ter em conta que os nutrientes são fundamentais para o cérebro se desenvolver eficazmente.

Em relação a estes componentes, a especialista holandesa disse que «uns são produzidos pelo próprio organismo enquanto outros são obtidos através da alimentação. Desta forma, deve-se incluir na alimentação as vitaminas do complexo B e os ácidos gordos DHA e ALA, pois são nutrientes importantes para o desenvolvimento cognitivo».

O cérebro é constituído por 100.000.000.000 neurónios e nele estão presentes entre 1000 a 10.000 conexões entre eles (sinapses). As ligações entre as células são protegidas por uma película isolante (mielina), que é maioritariamente constituída por gordura, em especial DHA. Este ácido gordo está presente no leite materno e no peixe gordo (sardinha, salmão, bacalhau, entre outros).

O ALA não é produzido pelo organismo, só podendo ser obtido através da alimentação. Encontra-se naturalmente nos óleos vegetais – óleos de girassol, de soja e de linhaça.

As vitaminas do complexo B (B6, B12, ácido fólico) existem nas frutas, nos vegetais, sobretudo nos de folha verde, bem como nos cereais. Os alimentos de origem animal, como a carne, o peixe e os produtos lácteos, são ricos em vitamina B12.

Hábitos salutares para sempre

«Em muitos casos, os pais preo­cupam-se com a alimentação dos seus filhos só até aos 12 meses. Por exemplo, retiram a sopa da alimentação quando a criança manifesta não gostar e/ou recusa comê-la», comentou a Dr.ª Helena Cid, nutricionista, sublinhando:
«Não é apenas até se completar um ano de idade que se necessita de uma alimentação específica, mas sim durante toda a vida. O peixe gordo é fundamental, mas está pouco introduzido na alimentação dos portugueses.»

Na opinião da Dr.ª Mónica Pinto, pediatra do Centro de Desenvolvimento do Hospital de Dona Estefânia e da Clínica Gerações, «por vezes, as crianças recusam experimentar novos alimentos, pelo que os pais devem incentivá-las as vezes necessárias. Com o hábito, é possível conseguir que tenham uma alimentação saudável».

Os hábitos salutares devem começar «pela fresca». Se se iniciar o dia com um pequeno-almoço desequilibrado a nível nutricional, é provável que o cérebro deixe de ter energia suficiente para processar a informação correctamente. O exercício cerebral dos jovens estudantes é intenso, mas pode ser afectado com a prática alimentar incorrecta.

E se nem sempre se ingerem os alimentos necessários, que interferem no desenvolvimento cognitivo, há sempre a hipótese de recorrer a suplementos alimentares ou produtos alimentares ricos em nutrientes.

«Antes era comum dar às crianças óleo fígado de bacalhau.
Primeiramente em líquido e mais tarde em cápsulas. Hoje, a indústria já oferece formas mais agradáveis de obter nutrientes, que não são produzidos naturalmente pelo organismo. É o caso do creme vegetal para barrar com DHA, ALA e vitaminas do complexo B», indicou Helena Cid.


Desenvolvimento infantil nos primeiros anos de vida

O desenvolvimento cerebral acontece por etapas, sendo os primeiros anos de vida essenciais para um processo bem conseguido.

«A criança é biologicamente o produto da evolução adaptativa da sua espécie, com um genótipo individual exposto a um meio físico social e cultural particular. Necessita de um longo período de maturação, num meio nutritivo, que lhe permita vivenciar uma variedade de experiências de interacção com o mundo externo», explicou a Dr.ª Mónica Pinto, pediatra do Centro de Desenvolvimento do Hospital de Dona Estefânia e da Clínica Gerações.

De acordo com a pediatra, «o desenvolvimento é um processo contínuo, com uma sequência semelhante para todas as crianças. Mas o ritmo varia de criança para criança, dependendo da maturação do sistema nervoso central, e nem todas as competências se adquirem em simultâneo, pelo que a evolução não é linear, mas sim por patamares».

Geralmente, é entre as 4 e as 6 semanas que o bebé deixa de ser passivo. Começa, por exemplo, a ter algumas reacções aos sons e está mais acordado. Com 3 meses descobre e explora as mãos. Aos 6 meses torna-se mais activo, curioso e já vocaliza. Três meses depois consegue deslocar-se, gatinhando ou rastejando.

Quando completa 1 ano já comunica, manifesta os seus desejos e faz as primeiras birras relacionadas com a alimentação. Aos 15 meses sente-se mais independente fisicamente, imitando tudo, e com 18 meses tem uma maior autonomia e desembaraço e inicia a socialização. Aos 2 anos adquire a capacidade de linguagem, aos 3 já brinca com as outras crianças e aumenta o vocabulário. Com 4 anos realiza actividades com princípio, meio e fim, com 5 anos torna-se mais atento e adquire competências pré-académicas e aos 6 anos insere-se no meio escolar e tem interesses mais específicos.

Na opinião de Mónica Pinto, «durante o processo de desenvolvimento, cabe aos pais dar autonomia progressiva e completa à criança, efectuar o treino progressivo da atenção e concentração, limitar as actividades passivas e fomentar as actividades criativas. Devem também, entre muitas outras coisas, incentivar a criança a participar e a ter um papel na família, prepará-la para a entrada na escola e evitar inícios precoces. É importante deixar a criança ser criança».


Texto: Sofia Filipe

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